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sábado, 20 de novembro de 2010

O DIA QUE O CATADOR SACIOU A SUA FOME


Era ainda o verão que começara em mil novecentos e sessenta e nove. Minha mãe havia acordado cedo e estava nos preparativos para o almoço quando, de repente, alguém grita no muro da casa ao lado, num subúrbio do Rio: - Dona Liana, dona Liana. Minha mãe deixa os afazeres na cozinha e sobe até a parte do muro de onde vinha a voz e encontra-se com a Didi, filha da dona Carmelita, que lhe informa que os vizinhos estavam se cotizando para fazerem comida para dar pro seu Olímpio, um catador de lixo que morava próximo, estava desnutrido e precisava de um alimento forte para se restabelecer. Minha mãe concordou em dar algumas coisas, vindo buscar algo em nossa cozinha, ocasião em que me informou dos fatos. Depois disto, me aprontei e parti para a faculdade e depois para o trabalho, tendo retornado quase as 23:00 horas e soube da notícia. Seu Olímpio havia falecido. Após comer mocotó no almoço passou mal e foi levado as pressas para o Hospital Getúlio Vargas, onde ocorreu o óbito. Uma tristeza. Soube então de todo o ocorrido. No dia anterior, ele foi a um posto do SAMDU para ser examinado, devido a uma fraqueza que até o impedia de caminhar. O médico que o atendeu disse para o acompanhante que o mal dele era apenas desnutrição e que ele precisava ser bem alimentado. Daí, alguns vizinhos inexperientes resolveram fazer um mocotó para fortalecê-lo, o que foi demais para quem passara tanta privação alimentar. A vaquinha agora era para fazer o seu funeral. Da história acima, tirei duas conclusões. Primeiro: que muitas vezes fazemos coisas pensando que estamos fazendo um bem, quando na verdade estamos fazendo um grande mal. Segundo: quando temos privação de algo por muito tempo, não se pode de uma hora para outra compensar toda a carência, pois pode ser fatal. A vida é assim mesmo, às vezes passamos várias privações e quando obtemos algo para supri-la, temos de ter equilíbrio e não exagerar na dose. No caso do catador foi isto que ocorreu e a única coisa boa que lhe aconteceu foi que morreu de barriga cheia, satisfeito, coisa que não acontecia há muito tempo. Dizem que morrer de fome é uma morte muito cruel, dolorida e cheia de alucinações, onde o moribundo se vê salivando, comendo muitos pratos apetitosos de encher os olhos. Fico eu remoendo as minhas recordações de um tempo em que a vida apesar de algumas histórias tristes, como a do catador seu Olímpio, era muito boa para mim. É, mas O SONHO ACABOU.... fui na padaria e até la não tinha mais sonho.

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