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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

NO FIO DA NAVALHA

Dizem que quando alguém está sem opções, na verdade só tem uma, ele está "no fio da navalha". É um momento em que sua decisão não pode falhar, ou vai ou racha, ou vive ou morre. Sim, muitas vezes nos encontramos numa encruzilhada em nossas vidas em que temos de decidir algo que é primordial para a nossa sobrevivência e é uma escolha difícil, pois ou é uma coisa que pode resultar em nossa salvação ou pode a coisa escolhida ser catastrófica, que resultará em grandes danos, até mesmo na nossa morte. Este momento, o da decisão é como se estivéssemos no fio da navalha. Falando em navalha, do ponto de vista literal e não simbólico, me lembro que quando começou a nascer os primeiros pelos ou penugem no meu rosto e estes começaram a ganhar uma cor escura, meu pai me presenteou com uma excelente navalha Solingen preta, além é claro de uma pequena vasilha de alumínio para colocar o creme de barbear e um pincel de duas cores. Também me ensinou não só como eu deveria manusear a navalha para me barbear e não me cortar, como me ensinou a amolar a mesma numa tira de couro esticada e colada sobre uma pequena ripa de madeira. Disse-me ele: - Para amolar bem a navalha você tem que passa-la várias vezes em tal tira de couro, de um lado e do outro na parte do seu corte mas com uma pequena inclinação, não mais que uns quinze graus. Assim, depois de tirar alguns pedaços da minha ainda sensível pele e após muitos sangramentos por cortes feitos, fui aprendendo a usar a minha Solingen, ao ponto de alguns garotos meus vizinhos sabendo dos meus dotes com tal ferramenta, irem até minha casa para eu passar a navalha em suas cabeças, para ficarem bem raspadas, igual uma bola de bilhar. Relembrando tais fatos, hoje eu posso dizer que eles eram bem corajosos, por sujeitarem suas cabeças e seus pescoços a mim, ainda um aprendiz no manuseio de um objeto tão perigoso. Bons tempos aqueles, em que não havia quaisquer contaminação pelo uso de tal navalha em várias pessoas, bastava limpar o resíduo da barba numa folha de papel tipo higiênico, o "arapongas" e tudo bem. Após o barbear, passávamos uma água mentolada e ficávamos com a cara bem lisinha, tal qual um bumbum de bebê. Depois com o advento da Aids, as navalhas foram substituídas nos barbeiros, pela navalhete, que é uma navalha sem lâmina própria e adaptada  para receber metade de uma lâmina de gilete a qual depois do uso era descartada. Só que esta lâmina, quando se tentava escanhoar bem a pele, por fazer o corte no sentido contrário ao crescimento dos pelos, as vezes fazia encravar alguns cabelos da barba e para desencrava-los dava um trabalho danado, pois tínhamos que primeiramente levantá-los de dentro da pele com um alfinete, para depois retira-los com uma pinça. Me lembro ainda que quando ia ao barbeiro e este sem querer fazia um corte no nosso rosto ao nos barbear, no final da barba, ele pegava uma pedra ume, ou hume e passava no local  para cicatrizar a ferida, após o que metia aquela loção alcalina e passava nos abanar com uma toalha para refrescar o nosso rosto que estava como que pegando fogo. Pena, que hoje esta profissão de barbeiros está em decadência, pois com o advento das descartáveis laminas de aparelhos de plásticos, que facilitou muito em se barbear em casa, poucas pessoas vão ao barbeiro, ou fazem a sua barba com uma navalha, como aprendi com meu pai. As navalhas já foram não só ferramentas para o bom barbear mas eram a arma principal da maioria dos malandros que frequentavam o centro boêmio do Rio de Janeiro, como a Lapa e a Cinelândia. De vez em quando havia brigas, entre dois malandros cariocas portadores de navalha e que normalmente também eram praticantes de capoeira, assim eles davam os seus rabos de arraia e outros golpes malabaristas da ginga da capoeira com as suas cintilantes navalhas empunhadas, passando elas para lá e pra cá no corpo do rival, que normalmente usavam camisas de seda para tirar o corte das navalhas, tudo aquilo parecia cenas cinematográficas, dignas de uma emocionante luta do Bruce Lee, que causavam um arrepio e comoção na platéia. Nestas ocasiões, a vida ficava literalmente no fio da navalha.            

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