Durante alguns anos vivi só de música, tocando saxofone em um conjunto musical onde o baterista era meu pai. Fiz vários bailes em alguns lugares nobres e outros nem tanto e também toquei em algumas rádios, na época só havia Rádios-AM. Dentre os bailes que eu fiz houve alguns inusitados que permanecem até hoje na minha lembrança, vamos então a estes. Certa vez, fomos contratados para tocarmos na Associação dos Surdos e Mudos que ficava no bairro das Laranjeiras no Rio, perto de onde havia a antiga TV Continental. Imaginei: vai ser um dinheiro mole de ganhar; as pessoas são surdas, não vai haver necessidade de grandes esforços para fazer o baile. O mesmo será quase na base dos gestos. Ledo engano. Alguns dos associados, surdos, ouviam alguma coisa e estes é quem davam início as danças. Mas, para eles dançarem era preciso haver uma vibração forte, um som bem alto. Só sei que ao final do baile estávamos estourados e eu com o beiço inchado, necessitando de fazer bochechos na salmoura para melhorar. Numa outra ocasião, fomos tocar na Associação dos Moradores do Jacarezinho que ficava dentro da favela. Os táxis por nós alugados para levar-nos junto com os instrumentos, nos deixava num local um pouco distante, fora da favela, que naquela época não possuía ruas, só vielas. Assim, íamos a pé de onde o táxi nos deixou, carregando os instrumentos até chegarmos ao local do baile, uma grande casa de dois andares. Estávamos lá tocando, quando vimos no fundo do salão uma grande briga, onde se jogava cadeiras, garrafas e outros objetos. Como a música que na ocasião tocávamos era lenta, não sei se um blue ou um samba canção, o presidente do clube foi até a gente e disse para tocarmos um outro tipo de música mais animada, para que mais pessoas passassem a dançar e menos pessoas ficassem envolvidas com a briga que continuava. Na mesma hora demos um corte musical e atacamos de um samba bem agitado, daqueles que não deixam ninguém ficar parado. Estávamos assim tocando animados quando se aproximou do palco um cidadão de porte atlético e perguntou: - Vocês não estão vendo a briga que está acontecendo nos fundos do salão? - Vocês têm que parar de tocar. O presidente do clube ouvindo aquela ordem para que nós parássemos de tocar nos disse: - Se vocês pararem de tocar, não vão receber ao final do baile. Algum tempo depois, o troglodita foi mais uma vez até a gente e ameaçou: - Se continuarem tocando vão levar um tiro cada um. Ficamos perplexos, sem saber o que fazer dali pra frente: Ou ficávamos sem receber nada ou enfrentávamos aquela ameaça de levarmos um tiro. Passado algum tempo, aquele cara que nos havia ameaçado e outros que estavam envolvidos na briga, foram jogados escada abaixo pelos seguranças do clube. O baile continuou normalmente até o final e recebemos o combinado do tesoureiro da Associação. O problema agora era como sair de madrugada daquela favela, andando por aquelas vielas tortas e escuras a pé até chegarmos aos carros, que já deveriam estar nos esperando do lado de fora. O medo de encontrar aqueles que nos havia ameaçado, fazia com que andássemos todos juntos, de olhos e ouvidos atentos a quaisquer movimentos e com passos acelerados, quase correndo. Eu me lembro que ia com a caixa do meu instrumento na frente como se fosse um escudo para me proteger das possíveis balas de um três oitão, única arma disponível naquela época, tão diferente do pesado armamento de hoje. Graças a Deus não houve mais nada e chegamos sãos e salvos nos carros que partiram a toda velocidade. É, músico às vezes passa por situações bem difíceis tocando nos BAILES da VIDA, mesmo assim era muito gratificante, pena que este tempo acabou, durou apenas uns três anos mas foi o suficiente para marcar indelevelmente a minha vida. Meu pai ainda continuou sendo baterista de um conjunto de bossa nova por mais alguns anos, depois também parou de fazer bailes, só tocando na nossa casa, que era como um clube, onde havia bailes quase todo final de semana. GOOD TIME!!!
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