O cinema estava lotado, não porque o filme era um clássico ou um primor de qualidade. A razão do sucesso é que no papel principal atuava o Rei do Rock. Logo nas primeiras cenas de "A Mulher Que Eu Amo", ele aparece para delírio geral, dirigindo um mini-conversível azul escuro de capota arriada. Aquelas cenas iniciais ficaram indelevelmente marcadas em minha mente, a ponto de ali mesmo, ao sair do cinema, ter decidido que um dia teria um carro daqueles. Alguns anos se passaram desde então, o Rei do Rock fora há tempos substituído pelos quatro garotos de Liverpool, quando um vizinho que estava servindo ao exército me informou que tinha ganho em um sorteio no seu quartel, nada mais nada menos que um MG e como ele necessitava era de dinheiro ofereceu-me para comprar. Fiquei extasiado com a proposta que poderia concretizar aquele meu sonho antigo, pois tal modelo era uma raridade e não se encontrava alguém disposto a vender os poucos existentes no país. No dia seguinte, estávamos no quartel onde ele servia para ver o carro. Foi amor a primeira vista. Aquilo que eu vira no cinema era inferior ao que agora eu constatava ao vivo. Era um belo MG TD 52 amarelo canário, capota e estofamentos pretos e muitas partes bem cromadas, inclusive o radiador e rodas raiadas que cintilavam ao sol. Para maior charme, a sua direção era do lado direito, como eram e ainda são todos os carros ingleses. Procurei não demonstrar todo o entusiasmo que o veículo me causara, para que o seu preço não ficasse além das minhas possibilidades. O meu vizinho soldado havia ganho o veículo por uma ninharia, pois comprara apenas um dos mil bilhetes vendidos pelo antigo dono do mesmo, um capitão, que naquela ocasião estava ali presente e me falou das alegrias que o carro lhe proporcionara, informando-me ainda que adquirira tal veículo da filha do Embaixador da Inglaterra. Vi que, além da beleza, o conversível tinha pedigree. Para minha alegria, o preço pedido pelo soldado fora bem abaixo do que eu estava disposto a pagar para ter aquele carro dos meus sonhos. O negócio foi fechado ali mesmo no quartel. O problema agora era como dirigir um carro com direção do lado contrário e passar as marchas com a mão esquerda. Até me acostumar foi bem difícil, mas depois vi até vantagens, pois eu podia encostar ao máximo no meio-fio sem bater nele. Já ultrapassar outro carro sempre foi um problema, pois tinha de colocar todo o veículo na contramão, para se ter visão do tráfego que vinha em sentido contrário; depois eu peguei o macete, que era ter uma boa distância do veículo que ia à frente. Em qualquer lugar que eu ia, o carro causava uma sensação em especial por ser sua direção do lado contrario e várias modelos famosas tiraram fotos apoiadas e até dentro dele, que foram publicadas em revistas da época, como por exemplo numa vez que eu o havia estacionado na Praia do Arpoador. Foram muitas as histórias vividas com aquele amarelinho, contadas por mim em um livro em fase de edição e hoje posso dizer que ele foi um divisor de águas, em termos de amizades e popularidade. O antes e o depois do MG. Infelizmente todo aquele glamour de suas linhas foram banalizadas pela cópia feita pelo MP Lafer. Hoje eu posso dizer que não foi o soldado o premiado naquele sorteio no quartel; com toda certeza eu fui o grande ganhador.
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