Fiz faculdade de direito durante o regime militar mas precisamente quando foi instituído o temível AI- 5 que reprimiu de forma violenta toda e qualquer manifestação contrária ao regime de exceção. Foram os chamados "anos de chumbo" em que muitos foram mortos, outros tantos torturados, muitos tiveram os seus direitos políticos caçados e foram para outros países como exilados ou estão entre os muitos desaparecidos sem que os seus familiares possam saber de seu paradeiro. Ser estudante universitário naquela época era sinônimo de subversivo ou comunista. Havia entre os colegas, alunos que na verdade estavam lá plantados como espiões para delatar aos órgãos de repressão os que eram agitadores. Para enfrentar a cavalaria que por diversas vezes invadiu a faculdade, muitos de nós além de livros e apostilas levávamos rolhas de cortiças e bolas de gude. Não havia cavalo que ficasse em pé com tais objetos derramados no chão. Mesmo não tendo nenhuma ideologia comunista, fui a diversas passeatas ao lado de muitos artistas famosos. Algumas vezes em tais passeatas cheguei a sofrer agressões de policiais. Mas me lembro de uma passeata que ocorreu e da qual nem estava participando. Naquela ocasião trabalhava num cartório de protestos na Praça XV no centro do Rio. Na hora do lanche eu e mais dois funcionários do cartório, o Luiz e o Itamar, resolvemos faze-lo no "Bob's" que havia na Rua do Rosário. Atravessamos a 1º de Março e quando estávamos na citada rua do Bob's na altura da Rua do Carmo, ouvimos o eclodir de bombas e tiros vindo da Avenida Rio Branco onde havia uma passeata. Como muitos fugiram descendo a Rua do Rosário no sentido da 1º de Março, eu que no momento estava ao lado de um colega de faculdade, que encontrara no caminho, o Flavio, que possuía uma cara de subversivo por seu cabelo grande e uma barbicha a la "Che Guevara" também passamos a correr, fugindo dos policiais armados que davam tiros de verdade e não de festim ou de borracha. De repente me vejo agarrado por um policial civil, que passa a me desferir várias bolachadas de cassetete. Depois de alguns segundos consigo me desvencilhar do aludido policial. Começo então a correr no sentido contrário ao da passeata, ou seja para a 1º de Março. Como eu já havia visto em outras ocasiões policiais atirando para valer em estudantes que se soltaram de suas mãos, alguns serem atingidos e outros até mortos, corro, não de forma natural em linha reta, mas em ZIG e ZAG. Embora não visse o policial sacar da arma, depois de me soltar, pensei comigo, se ele o fizer, para me acertar terá mexer muito na pontaria, o que tornaria difícil o acerto, pois eu seria um alvo móvel. Pode ser que se ele der um tiro no ZIG eu esteja no ZAG e não me acerte e assim fui pulando de um lado da rua ao outro. Tanto o Luiz como o Itamar meus colegas de cartório quando me viram seguro e apanhando, pararam de correr e ficaram só observando. Eles me contaram que viram o policial, após eu me soltar, puxar da arma e fazer pontaria contra mim mas a minha forma de corrida frustrou o seu intento. Chegamos ao cartório, todos brancos como vela, mas vivos, principalmente eu por conta da minha maneira excêntrica de correr. Coisas do passado que marcaram a minha juventude e toda uma geração, que gerou protestos, livros, filmes, mini-séries, pedidos de reabertura do caso no Congresso para julgamento dos culpados e manifestação da OAB para apurarem o paradeiro dos inúmeros desaparecidos. Sim as vezes é preciso se adaptar as necessidades do momento e naquele momento a corrida que não ganharia qualquer medalha em Jogos Olímpicos mas me premiou com um troféu maior que é a vida, foi a do ZIG e ZAG!!!
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