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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

AS CURIOSAS E O SAPATO FURADO


Com o intuito de estudar, na minha infância fui morar com uma tia e a avó materna em Carmo, uma cidade do Estado do Rio, que faz fronteira com o Estado de Minas Gerais. Isto porque, meus pais eram pobres, não tinham condições de pagar um colégio particular e naquela época havia poucas escolas públicas na antiga Capital e era bem difícil conseguir alguma vaga. Assim, cheguei em Carmo e procurei me adaptar ao modo de vida do interior, onde não havia  modismo e os mais velhos é que ditavam o que você deveria usar e não como é hoje, em que os nossos filhos já bem cedo fazem as suas escolhas e só querem usar roupas e tênis de marca. Por exemplo, naquela época, tênis só havia os sem marca, que só eram usados em desfiles escolares. No mais, eram sapatos tipo "boot" que varavam anos, tendo em vista que se trocava a sua sola inteira. Falando em sola, a usada não era a que se usa hoje, mas feita de borracha de pneus. Então, nós garotos, quando nos reuníamos,  ficávamos virando a sola  para mostrar qual era a marca do pneu usada pelo sapateiro. Uns diziam com orgulho: - O meu é Firestone. Outros alegavam: - Mas o meu é Goodyear ou Pirelli e saíamos procurando fazer derrapagens em alguma calçada lisa, procurando demonstrar a superioridade de um sobre o outro. Ao voltar para a casa de meus pais no Rio, levei aquela mania meio mineira de aproveitar ao máximo a coisa comprada, principalmente os sapatos. Então, certa vez, eu estava com um par de sapatos que no pé direito era só furos, sujando a meia de terra e me obrigando a sempre estar olhando para onde pisava, a fim de evitar pisar numa guimba de cigarro ainda aceso e queimar o pé. Vi  então, que teria de comprar outro par de sapatos porque aquele estava um bagaço. Estando no centro, fui até a Rua da Carioca e lá, depois de algumas escolhas, comprei o sapato e já fiquei usando o novo, mas falei para o vendedor que iria levar os sapatos velhos para o conserto. O vendedor franziu a testa como a dizer, este aí não serve para mais nada, mas me atendeu, depois de colocar os sapatos velhos na caixa do novo, embrulhou-a com um papel reluzente e colocou-a numa sacola de plástico, que tinha o nome e endereço da sapataria.  Assim, saí da loja e fui até a Avenida Rio Branco, a fim de pegar um ônibus para Copacabana. O ônibus estava quase vazio, praticamente um passageiro em  cada banco. Sentei num banco bem atrás e fiquei na janela para observar a paisagem do Aterro do Flamengo, que ainda não havia sofrido a transformação do magistral paisagista Burle Max. Passado algum tempo, comecei a raciocinar sobre o par de sapatos velhos que estava levando e vi que eles estavam muito ruins. Assim, comecei a pensar em como me desfazer dos mesmos. Quando o passageiro que estava no banco bem a frente se levantou para descer, indo para a frente do veículo, aproveitei e fui para o lugar vago, deixando no banco de trás a sacola com os sapatos velhos. Num ponto antes, já haviam entrado uma senhora idosa e uma jovem, aparentemente sua neta, e foram direto para o banco onde eu estava anteriormente sentado. Vendo a sacola e o cidadão que já iria descer, gritaram: - Senhor, senhor, você esqueceu a sua sacola! Ele, virando-se para trás e observando a sacola disse: - Não é minha. Soltando logo a seguir. Eu, que estava no banco logo a frente da senhora e sua neta, fiquei antenado e comecei a ouvir os seus comentários sobre a sacola deixada. A senhora idosa falou para a jovem: - Sacola bonita! O que será que tem dentro?  Em ato contínuo sacudiu a sacola e concluiu: - É sapato. A neta, muito curiosa, falou para a avó: - Vamos ver se é  de mulher, quem sabe não é um lindo e caro par de sapatos? - Pelo embrulho, o que está dentro deve ser sim. Então começaram a tirar da sacola aquele bonito embrulho que envolvia a caixa... E eu só ouvindo tudo no banco da frente. Quando descerraram o embrulho, abriram a caixa e viram aquele trapo de sapatos todo furado, disseram: - Que coisa horrorosa e fedida, parece coisa de mendigo... Arghhhhhhhhh!!! Eu no banco logo a frente não conseguia controlar o meu riso, vendo o desconforto daquelas duas, tentando se livrar da sacola. Pouco tempo depois soltei na Rua Barata Ribeiro, mas ainda ouvi a velha dizer para a neta: - Temos de passar numa farmácia para comprarmos álcool e desinfetar nossas mãos. Pensei: CURIOSIDADE MATA,  só  de  cheirar!

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