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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A MULHER QUE PARAVA O TRÂNSITO


Não muito tempo atrás, recebi um telefonema de um amigo de infância me convidando  para um almoço de confraternização dos que fizeram parte da juventude dos anos sessenta em uma simpática rua sem saída, num subúrbio do Rio. Na data marcada, desci a serra acompanhado de um filho e nora para reencontrar velhos companheiros que eu já não via há quase quarenta anos. Aquela reunião, aquela rua onde eu havia passado parte da minha adolescência, me remeteram para aqueles anos felizes, cheios de sonhos de uma juventude que acreditava poder mudar o mundo, com uma nova filosofia de vida. Depois de conversar com todos, pondo os nossos assuntos em dia, o anfitrião que havia me ligado, o Carlinhos "Leiteiro", numa certa hora, se aproximou da minha mesa quando não havia nenhuma mulher nela e disse: - Vou te contar um segredo de quase quarenta anos atrás. Fiquei curioso e apreensivo, pensando: O que terá este  amigo guardado há tanto tempo? E ele acrescentou: - Se lembra da vez que você deixou o MG comigo, para eu levar pro meu quartel a fim de efetuar um reparo no carburador?  Eu disse que não me lembrava do fato. Prosseguindo ele disse: - Pois é, eu levei o MG pro meu quartel porque havia lá um mecânico muito bom e que realmente deu um jeito no motor do veículo. Em continuação ele disse: - Aí, à noite, quando vinha trazendo o carro para lhe entregar eu percebi no meio do caminho que havia uma fila de carros, que quase paravam e depois prosseguiam. Fiquei curioso, pois não era nenhum engarrafamento. Ao chegar mais perto do ponto onde havia a diminuição de velocidade, vi que a causa disto era uma linda mulher, parada no ponto de ônibus e que causava um alvoroço nos motoristas, que lhe ofereciam carona insistentemente e ela nada. Ao ficar do lado dela e para não ser diferente, lhe ofereci carona também. Ela, ao ver aquele carro conversível amarelo de rodas raiadas, com capota arriada e volante do lado contrário, não titubeou  nem se fez de rogada, foi logo abrindo a porta e se sentando ao meu lado, me fazendo sentir o rei da cocada. Depois das apresentações e alguns papos furados, ela me disse: - Eu gostaria de dirigir este carro. Aí eu fiquei super-preocupado, pois sabia do seu ciúme por ele, mas como a mulher era muito linda, daquelas mesmo de fechar o trânsito, não tive muita força para negar o seu pedido. Antes, porém, procurei uma rua deserta e sem saída em que as chances dela de fazer qualquer bobagem eram mínimas. Localizada a rua, passei as informações das marchas do veículo e de como ela deveria se portar com a direção do lado contrário, como são todos os carros ingleses. Instruções dadas e repetidas, com muitas recomendações, lhe passei a direção e ela saiu em disparada com aquele bólide. Tudo ia bem até chegar ao final da rua, quando ela teve de efetuar a marcha-ré e com toda força ela enfiou a traseira do carro num muro, quase o derrubando. Fiquei estarrecido, não acreditando no que meus olhos viam. O MG estava com a traseira toda amassada. Ela tentou dar algumas explicações, mas eu não a ouvia.  A minha decisão de imediato foi mandá-la embora, pois da forma como aconteceu o acidente, pensei que ela nem deveria ter carteira de habilitação e aí a coisa ficaria mais complicada. Passados os primeiros momentos de terror, vi que o motor ainda estava funcionando e que as rodas, apesar do impacto, não estavam travadas. Assim, saí como um louco daquele local e fui atrás  do Tião "Nove", lanterneiro muito bom, que você deve se lembrar. Aquiesci que sim, com a cabeça. E continuou: - Então localizado o Tião "Nove", supliquei-lhe que trabalhasse a noite toda para consertar o carro. Daí, fui para casa de condução e te procurei dizendo que o carro ainda apresentava problemas de motor, razão porque ficara no quartel, você disse tudo bem sem desconfiar de nada. No outro dia, fui a  oficina  e o  carro  já  estava todo desamassado, sem nenhuma protuberância em sua lataria. O Tião "Nove" era mesmo um martelinho de ouro. Então, fui a São Cristóvão e na Rua Escobar encontrei e comprei as lanternas e a tinta para pintá-lo. À noite, lhe entreguei o veículo sem nenhuma aparência do dano causado por aquela linda, mas desastrada mulher, que se eu pudesse, na ocasião  dos  fatos, teria enforcado de tanta raiva que eu fiquei. Só te conto este episódio agora, por que já se passaram tantos anos e você nem mais possui o MG. Te peço desculpas atrasadas pelo acontecido. Desculpas aceitas, pensei: aquele carrinho ainda me surpreende com fatos que eu nem sabia. É, ele teve histórias .        

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