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domingo, 22 de abril de 2012

NA CALADA NOITE

É bem tarde. O silencio domina todo o ambiente ao ponto de se ouvir as batidas do meu descompassado coração. De repente, sou invadido por lembranças, imagens e sons de um passado que foi muito feliz e que me trazem boas recordações, como se fossem águas frescas no deserto causticante que tem sido ultimamente minha vida. Do tempo em que tinha a companhia de meus pais, meus irmãos e éramos uma família unida, feliz e mais que alegre. Dos bailes que quase todo final de semana aconteciam na nossa grande sala e varanda num subúrbio do Rio, em razão de eu e meu pai sermos músicos e os ensaios serem sempre lá em casa, o que descambava sempre em danças que varavam à noite, frequentado pelos constantes e bons vizinhos. Dos anos de chumbo na faculdade, onde a vida de estudante não valia nada para os meios de repressão mas nos enchia de orgulho, por fazer parte de uma geração que acreditava poder mudar o mundo com um novo modo de vida, livre da hipocrisia e da busca de bens materiais como um alvo hoje obcecado pela maioria. Das músicas que até hoje são tocadas, fazendo com que aqueles que tem bom gosto, se sintam frustrados de não terem nascido antes, para poderem curtirem o que de melhor já foi produzido. Dos shows inesquecíveis de Wilson Simonal, de Sergio Mendes e seu Brasil 66, de Maria Betânia, de Tom Jobim e Vinicius. Do Grupo Opinião, com Zé Keti, Nara Leão e João do Vale, verdadeiro centro de resistência ao autoritarismo e de peças de teatro, como a Opera do Malando, Gota D`água esta última trazendo a personagem grega Medéia para os nossos dias e tantas outras que no fundo tinham como mensagem criticar os que estavam no poder. Dos filmes de Glauber Rocha, de Nelson Pereira dos Santos e outros, como Deus e o Diabo na Terra do Sol,  Terra em Transe, Vidas Secas, Rio 40 graus, Barravento, Orfeu Negro, o Pagador de Promessas e tantos mais que fizeram parte do bom cinema novo brasileiro. Dos festivais da canção, trazendo talentos e caras novas que permanecem até os dias de hoje como ícones da música, como Chico Buarque, Caetano, Gilberto Gil e Milton Nascimento. Dos filmes internacionais polêmicos na seção da meia noite no Cine Paissandú, como Belle de Jour, la Dolce Vita, Blow Up, Un Homme et una Femme. Das grandes passeatas pelo centro do Rio, fazendo trepidar os alicerces do governo ao ponto de decretarem o AI-5 como medida drástica para calar a boca dos inconformados e erradicar de vez os que não se adequavam ao regime. Sim, foi um passado inesquecível de um tempo em que havia ainda a pureza de sentimentos e de objetivos saudáveis, tão diferente dos dias atuais, onde a banalidade e a falta de bons alvos, fazem prevalecer o vulgar e medíocre. O silêncio tumular é cortado pelo som bem baixo vindo de uma boate não muito longe de minha  casa e o que ouço para meu prazer é a voz suave de Del Shannon com seu sucesso "Runaway ou Fuga", que entre outras coisas diz em seus versos simples: "enquanto eu caminho, vou me perguntando o que deu de errado com o nosso amor que era tão forte". Vou dormir tranquilo, embalado por tal música que fez parte de minha juventude e constatando que nem tudo está perdido, ainda há um tênue fio de esperança, mesmo que seja vindo de um local com uma fama pouco recomendável.  

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