Por um certo tempo de minha vida trabalhei num banco. Mas certo dia, um funcionário do banco onde eu trabalhava, o Orlado foi demitido e como possuía parentes na Justiça do Rio, arranjaram pra ele ir trabalhar num cartório de protestos de títulos, lá na Praça. XV, que ficava perto das barcas que fazem o trajeto Rio-Niterói. Depois disto ele arrumou serviço no mesmo cartório, para mais dois colegas de banco, o Arilton e eu. Assim desci de paraquedas pra trabalhar na Justiça, que na ocasião era quase toda particular. Depois de três anos, fiz concurso público e passei mas não havia vagas no cartório onde trabalhava, mesmo assim preferi ficar lá, onde tinha amizade com o titular do cartório e os demais funcionários. O dono do cartório ficava com 50% de toda a renda e o restante era dividido entre todos os funcionários, cabendo logicamente um percentual maior para os mais antigos. O meu serviço consistia em bater instrumentos de protestos numa máquina de datilografia. Ganhava por produção e depois mais à frente também do rateio da renda do cartório, perfazendo um bom salário em termos de Brasil. Trabalhar em tal cartório, naquela época, era mesmo uma grande festa, pois não havia nem há crise em cartório de protesto, isto porque nas crises, mais pessoas são protestadas e, portanto, o volume de movimento é ainda maior e, por conseguinte, mais dinheiro rola. O salário era tão bom que alguns funcionários cometiam algum excesso no esbanjar, como aconteceu certa vez com um já meio doidão, funcionário do sétimo distribuidor num baile no Clube Federal, lá no Leblon, que puxando do bolso uma maçaroca de notas, jogou-a para o alto no meio do salão, o que foi causa de uma grande confusão. Além do bom salário, havia casos e personagens pitorescos. Numa ocasião, chegou uma pessoa ao cartório e perguntou, quem era o responsável pelas certidões e foi lhe dito que era o Luiz. Dirigindo-se ao setor, ele disse ao Luiz que precisava de uma certidão negativa com urgência e indagou o que além das custas teria que pagar. Luiz respondeu: - Deixa uma cerveja e tudo bem. Enquanto Luiz batia a certidão solicitada, a pessoa deu uma saída e foi até um bar, onde adquiriu duas latas de cerveja e quando Luiz lhe entregou a certidão, a pessoa lhe entregou as latinhas. Ele não pôde reclamar nada, pediu e recebeu até em dobro. Em outra ocasião, um cidadão disse ao atendente no balcão que queria falar com o Bel. O atendente disse que no cartório não havia nenhum Bel e o cidadão disse: - Como não tem nenhum Bel? Ato contínuo, mostrou um formulário do cartório onde estava escrito em cima: Oficial Bel.Pedro Luiz. Ele confundira a abreviação de bacharel com o nome de alguém. Coisas de um país de pouca cultura. Foi meu colega de trabalho e de alguns passeios neste período, o Antonio De Bonis, que pediu demissão do cartório um pouco antes de mim, para começar uma carreira artística vitoriosa, primeiramente como ator, vindo depois a se tornar o consagrado diretor de musicais e peças teatrais. Sua irmã Carmela até pouco tempo atrás trabalhava no cartório, mas sem as benesses daqueles anos em que o Oficial dividia parte dos lucros com os funcionários. Mesmo com toda vantagem financeira que com certeza tal serviço poderia me dar, resolvi depois de algum tempo, após me formar, também deixar o cartório. O Oficial Dr. Pedro, diga-se de passagem um verdadeiro bom burguês, que tinha consideração por todos, não entendeu quando lhe comuniquei o fato, chegando mesmo a me propor uma parcela maior da fatia do bolo para continuar trabalhando com ele, mas recusei. Fiz o caminho inverso de muitos hoje, que depois de se formarem se sujeitam a um trabalho burocrata, ONDE OS SONHOS SÃO SUFOCADOS EM TROCA DA ESTABILIDADE DE UM EMPREGO PÚBLICO e um punhado de dinheiro. Nesta minha vida, com raríssimas exceções, vi um funcionário público satisfeito, mesmo aqueles que ganham muito bem. A satisfação só acontece em dois momentos: quando são aprovados em concurso e tomam posse no cargo e depois quando se aposentam. No resto é só reclamação, mal atendimento ao público e luta por aumento de salário. Ficam contando os dias para se aposentarem e aí então viverem. Embora a minha atitude possa ser incompreendida pelas dificuldades que passei e ainda passo, mas uma coisa é certa: não me arrependo pelo bons dias que tenho vivido como um ex-burocrata, sem ter de prestar contas a ninguém e trabalhando naquilo que gosto. Como já dizia Raulzito: "NÃO QUERO FICAR SENTADO NO TRONO DO MEU APARTAMENTO, COM A BOCA ESCANCARADA, CHEIA DE DENTES, ESPERANDO A MORTE CHEGAR". Prefiro o inusitado, o imprevisto pra me sentir vivo.
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