Ultimamente tenho lido a postagem de muitos amigos e amigas do face dizendo que passaram no vestibular para alguma faculdade. Todos eles muito contentes com esta perspectiva de que em breve coroarão seus alvos de alcançarem a formação num curso superior e com isto a possibilidade de uma vida melhor. Não posso deixar de compartilhar estes momentos felizes e da alegria que isto traz para estes meus amigos vencedores depois de muitos esforços e dedicação. Comigo aconteceu a mesma coisa. Vindo de uma família pobre, onde meus pais não tiveram a oportunidade de estudarem além do primário, ter conseguido passar num vestibular numa época em que havia poucas faculdades no país, os encheu de orgulho. Foram dias muito felizes para mim, abriu-se uma porta larga através da convivência com colegas de certa cultura e status, a maioria vindo de colégios de renome da Cidade do Rio de Janeiro, como o Andrews, o São Bento, o Santo Inácio e Pedro II entre outros, alem de terem feito cursos pré-vestibular. Eu, ao contrário vinha de um colégio público do interior do Estado e naquele tempo não havia a cota para estudantes de colégios públicos, como há hoje, bem como não havia feito qualquer cursinho. A minha falta de preparo numa boa instituição de ensino, levava alguns ao espanto, pois não entendiam como eu conseguira passar num disputado vestibular e entrar na faculdade. Me lembro como se fosse ontem dos primeiros dias de calouro. Um de meus colegas era da família real dos Orleans e Bragança, assim, no primeiro dia de aula, como trote promovido pelos veteranos, ele foi obrigado a subir na estatua do Marechal Deodoro que ficava na Praça XV bem em frente a Faculdade Cândido Mendes e dar um grito altissonante de "Viva à República". Voltando a primeira aula, ela foi ministrada não pelos professores mas por alunos de uma turma superior, que basicamente nos aterrorizaram. Entre tais pretensos "professores" estava o ex-ministro das Comunicações de Lula, o atual deputado federal, Miro Teixeira, já um polêmico ativista no diretório acadêmico Ruy Barbosa. Na minha turma pelo menos no primeiro ano havia de tudo, desde pessoas vazias como socialites, misses e alguns bons "vivants" da geração dourada de Ipanema a intelectuais, poetas amadores, músicos, líderes estudantis, revolucionários, comunistas declarados e até cantor como era o caso do Zé Rodrix, que nós conhecíamos como Jose Rodrigues do "Momento Quatro" e que naquele ano acompanhou Edu Lobo, na vitoriosa música "Ponteio", do Festival da Record em São Paulo. Na mesma ocasião e faculdade, estudava Economia outro cantor, começando sua brilhante carreira, o Gonzaguinha. Passada a época luminosa do primeiro ano, em que tudo era novo e as boas amizades que logo se construíram, não só nas salas de aulas, mas indo a shows, assistindo peças de teatro ou ouvindo palestras sobre pensamentos e obras de nomes importantes da filosofia da contracultura, como Herbert Marcuse, Marshall Mcluhan, Bertrand Russel e outros, de repente tudo mudou. Um soldado da PM dispara e mata com um tiro no peito, o estudante Edson Luiz no restaurante Calabouço no centro do Rio. Isto foi como acender o estopim do rastilho que incendiou a cidade e depois o país, em manifestações de protestos e grandes passeatas as quais para serem contidas, desembocaram na instituição do AI-5, que trouxe dias tenebrosos para todos nós. Houve uma repressão brutal, conhecido como "anos de chumbo" e a classe estudantil se tornou uma efervescência em agitação para enfrentar aquela situação. Para os órgãos de repressão, tais como o Dops e o Cenimar, ser estudante de faculdade naquela época era sinônimo de ser comunista. Assim, por diversas vezes o diretório acadêmico da faculdade foi invadido por policiais, que não queriam saber se você era inocente ou não, se estava lá, era comunista e partiam para agressão, distribuindo cacetada a torto e direito. Para defender-se muitos iam para a faculdade, portando além de livros e apostilas, bolas de gude e rolhas de cortiça. Quando a cavalaria da PM invadia a faculdade, eles despejavam as bolas de gudes e cortiças pelo chão e não ficava um cavalo em pé. Foi a época das grandes passeatas, das inúmeras prisões e torturas, dos sequestros de embaixadores, das fugas para o exílio, da troca de sequestrados por presos políticos, das muitas mortes e sumiço dos corpos que até hoje estão sendo procurado pelas famílias enlutadas. Sim, fazer uma faculdade na minha época foi à principio, dias muito felizes pelo companheirismo e aprendizado que me trouxe mas que se transformaram em noites tenebrosas, com alguns de meus colegas de faculdade sumindo para sempre, sem que se saiba ao certo o que de fato lhes aconteceu. Com o passar dos anos, os meus pensamentos e as minhas atitudes mudaram, não acredito mas em reformas feitas por homens imperfeitos, pois muitos deles que lutavam por causas nobres agora estão presos por falcatruas e corrupção, hoje o meu projeto de vida é outro mais abrangente, tem a ver não apenas com um único país mas todo o planeta, por isto tem de vir de uma fonte superior a humana. Desejo que os amigos e amigas, futuros novos estudantes de faculdade, só venham a ter pela frente dias felizes, luminosos e que os dias ruins que eu vivi, fiquem lá no passado, violência e tortura NUNCA MAIS.
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