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Chego no hospital Estadual Getúlio Vargas num subúrbio do Rio e me deparo
com o meu pai nu, com apenas um lençol branco cobrindo seu corpo frio. Há poucos
dias atrás, quando eu o visitara, ele me havia pedido quase suplicando para leva-lo para Friburgo onde moro, a fim de operar o fêmur de sua perna direita
que havia quebrado num acidente. Eu estava tomando as
providências para a sua transferência para um hospital na minha localidade
quando recebo a triste notícia de sua morte, causada em especial por uma infecção
hospitalar que havia contraído em tal nosocômio. As lembranças se embaralham e remeto-me para os dias
alegres de sua companhia, quando éramos uma família mais que feliz, vivendo
numa incrível época na Cidade Maravilhosa. Meu pai que havia sido mecânico de
aviões, ajudante de cozinha no Hotel Glória e no Copacabana Palace e depois
marceneiro, se tornara baterista e tínhamos um conjunto musical, no qual eu
tocava sax alto, Nilo Martins no vocal, viola e baixo, Tiãozinho na guitarra solo, Eduardo no trompete, Paulo da Deise no trombone, Simeão no sax tenor e Vilobaldo no outro sax alto, os oito fazendo muitos bailes por toda a Cidade do Rio e municípios adjacentes. Assim, entre nós não havia só o amor de pai para com filho e vice
versa, mas uma genuína amizade entre pessoas que comungam os mesmos gostos e
objetivos. Além dos bailes que fazíamos nos clubes e outros locais, a nossa
casa por ser grande, era o lugar de ensaio da nossa banda. Desta forma, quando
não tínhamos sido contratados para tocar em algum local, o baile era lá em
casa, com boa parte da vizinhança comparecendo para balançar o esqueleto ao som
de música ao vivo e de graça. O meu pai que era um verdadeiro pé de valsa, nestas
ocasiões, quando as músicas já estavam bem ensaiadas e o baile incrementado,
deixava algum aprendiz de bateria pegar o seu instrumento e de pronto agarrava
de surpresa minha mãe e saia rodopiando com ela pela ampla sala, o que era motivo de
muitos aplausos dos vizinhos e alguns até gritavam: - Dá-lhe Chiquinho. Aí é que ele
enfeitava o pavão. Meu pai era assim, de uma alegria contagiante, sempre com um
sorriso largo em seu rosto, que desanuviava qualquer ambiente sombrio ou negativo. Em toda minha vida, eu não
me lembro de vê-lo triste, por pior que estivesse a situação. Era um otimista inveterado, sempre acreditando em dias melhores ou olhando o lado bom das coisas. Há uns quarenta anos atrás se tornou um cristão verdadeiro e passou a levar a sério a ordem do amo Jesus, de que seus seguidores deveriam ir e pregar de graça as boas novas do reino às pessoas, fazendo disto um ministério por tempo quase integral. Isto, longe de roubar a sua alegria, ao contrário lhe infundiu mais felicidade, pois lhe deu um objetivo na vida, tendo uma forte fé na promessa de uma vida eterna aqui mesmo na Terra, para os que se qualificassem como mansos. A vívida esperança da ressurreição dos mortos, o fez suportar com valentia a perda de minha mãe e depois da outra esposa mais nova com quem se casara e que também falecera não muito tempo depois. Volta e meia quando eu relembro o tempo em que tinha meu pai ao meu lado, minhas filhas não se esquecem de falar dos pastéiszinhos de nata que ele sempre fazia como lanche para os intervalos das assembleias e dos congressos a que compareciam. O meu pai sempre foi uma eterna fonte de inspiração para minha vida. Tenho tentado imitá-lo na sua alegria de viver, na sua honradez, no seu apego à família e no seu zelo pelas coisas divinas e espirituais mas sem sucesso, eu reconheço que fico longe do alvo, devido as minhas limitações e deficiências em vários aspectos destas coisas. Fazer o que, Chiquinho Mattos não é sempre que acontece a existência de um ser assim, o máximo que eu posso fazer e me encher de orgulho por ter tido ele por pai. Aguardo ansiosamente o dia em que possa depois de um longo e saudoso abraço, lhe dizer quase chorando: - Que falta você fez meu velho Chico.